Os erros dos árbitros de futebol
Hoje em dia, assistimos cada vez mais a programas
desportivos com comentadores convidados que pouco ou nada percebem de leis do
Jogo. A única lei debatida nesses programas é a lei clubística.
Alguns meios de comunicação social, nomeadamente, rádios,
televisões e jornais desportivos, contrataram algumas pessoas ligadas ao futebol
para comentar jogos, sabendo que, algumas delas nunca tiraram um curso de
arbitragem e os que tiraram e deixaram a arbitragem, pouco ou nada se atualizaram
sobre as leis, regulamentos e recomendações que todos anos a FIFA emite.
Sabemos que a imprensa desportiva só vende se
houver casos apelativos para os leitores. Sabemos também que a relação do árbitro
de futebol com esta nem sempre foi amigável. A falta de sensibilidade e preparação
técnica de alguns indivíduos para comentarem as ações dos árbitros antes,
durante e após o jogo, está a contribuir para que variados adjetivos negativos
sejam atribuídos ao profissional do apito e, consequentemente, façam parte do
vocabulário futebolístico.
Antes de desempenhar a função de árbitro de
futebol, fui jogador e sócio de um clube. Como jogador, só reparava nas faltas
que beneficiavam a minha equipa. Como sócio, na bancada, via todas as faltas
que não eram marcadas a favor da minha equipa e julgava-me mais sapiente nas
leis do que o próprio árbitro do jogo. Depois de tirar o curso de árbitro e
entrar em campo para exercer essa tarefa, é que percebi o quanto, na realidade,
é difícil gerir uma partida de futebol.
Os problemas enfrentados pelos árbitros antes do
início da partida são variadíssimos, destacando-se, a título de exemplo, as
fracas condições de algumas instalações desportivas, a desonestidade e ausência
de desportivismo de determinados dirigentes e até a
falta de conhecimento das regras por parte de atletas, técnicos e treinadores.
Reconheço que, no mundo da arbitragem,
há árbitros com bom e outros com menos bom desempenho, uns melhor preparados
que outros e árbitros honestos e desonestos, tal como se verifica em todas as
profissões.
Durante os sete dias da semana, os
jornais, as rádios e as televisões falam do árbitro e comentam o seu trabalho e
o modo como muitas apreciações são feitas transmite a ideia de que os seus
autores parecem infalíveis, perfeitos e incapazes de perpetrarem enganos de
apreciação.
Do mesmo modo, há determinados "especialistas
de bancada" que distorcem as leis do jogo e que, ao comporem comentários
veementes e convictos, fazem com que os adeptos e dirigentes, (que muitas vezes,
também eles, desconhecem as regras do futebol), acabem por acreditar nas suas
análises, levando-os a considerar injustas as decisões tomadas pelos árbitros
durante o jogo. Mesmo com os avanços tecnológicos, como a utilização do
videotape e a técnica do "replay" bem como com a contratação dos
chamados "especialistas" em leis do jogo, por vezes há decisões do
trio de arbitragem que geram opiniões diferentes. O relatador que está em direto
emite o seu parecer, o comentador depois de ver as imagens, partilha o seu
ponto de vista e o especialista em arbitragem argumenta a questão técnica e
disciplinar do lance, baseando-se nas leis. As discussões e as conclusões são diferentes
e variadas, sendo difícil, em algumas ocasiões, chegar-se a um consenso, mesmo vendo
e revendo o lance inúmeras vezes. Para o árbitro, esta possibilidade de
reanalisar determinado lance ou jogada e posteriormente decidir em
conformidade, não acontece. A ele, só é permitido ver a imagem que ocorre no
momento do jogo e que, por vezes, é dificultada por condições normais, por
exemplo, pela interposição de um jogador que, no momento em que a situação acontece, passa sem intenção à frente do árbitro,
tornando a visualização para a decisão ainda mais complicada.
No meu ponto de vista, os recursos
tecnológicos desenvolvidos para as análises de jogadas durante a transmissão de
uma partida, em vez de contribuírem para melhorar a qualidade desportiva, criam
maior dificuldade a quem arbitra uma partida de futebol e podem colocar dúvidas
ao telespectador sobre as regras do jogo. Infelizmente, por vezes, são usados
comentários desencontrados e efetuados sem se ter em linha de conta as leis do
futebol. Essa atitude aumenta a polémica sobre a atuação da equipa de
arbitragem, contribuindo de forma negativa para a aprendizagem ou para o
aprofundamento dos conhecimentos relativo às leis pelo público em geral. Os comentários
pronunciados em direto ou proferidos durante a semana sobre determinado jogo,
no sentido de ofender e denegrir o trabalho do árbitro e dos seus assistentes,
são utilizados, posteriormente, pelos adeptos e simpatizantes desses clubes,
para dilatar ainda mais a desconfiança sobre a sua atuação.
Habitualmente, se o árbitro cometer
algumas falhas durante um jogo, alguns dirigentes desportivos prontamente fazem
os devidos lamentos, tentando passar as culpas dos desaires de que a sua equipa
vem padecendo para outros. É óbvio que os dirigentes da arbitragem, numa
tentativa de serenarem os ânimos, a primeira coisa que fazem é colocar o
árbitro visado na “jarra” ou seja, não o convocam, durante algum tempo, para
dirigir encontros de futebol. Relativamente a esta atitude, julgo que os
próprios árbitros são, em grande parte, culpados, pois não se organizam nem se
defendem coletivamente. Como prova desta constatação, é um caso passado há
relativamente pouco tempo, em que um árbitro se recusou a fazer um determinado
jogo e, logo, não faltaram “fura greves” para arbitrar esse jogo.
Alguns erros cometidos pela equipa de
arbitragem podem acontecer porque a visão sobre o lance não foi a melhor,
derivada muitas das vezes pelo facto de estarem mal posicionados no terreno de
jogo. A posição dos jogadores e o lado em que a falta é cometida pode fazer com
que o árbitro interprete o lance de forma errada. O mesmo pode advir num
estádio em que os espectadores colocados de um lado visualizam a falta e os do
lado oposto não a conseguem observar derivado ao seu ângulo de visão.
É certo que uma decisão errada, consequente de uma má
apreciação da jogada, é uma decisão consumada. Contudo, isso não significa que o
árbitro não conheça as leis do jogo ou que esteja mal-intencionado.
Na apreciação geral, os erros
cometidos pelos árbitros são imperdoáveis para algumas pessoas. “Errare humanum est” e, sendo uma faceta da condição humana,
qualquer um pode errar. No entanto, na prática, esta autenticidade não é válida
para todos. Se um jogador falhar durante o jogo, essa
situação é aceitável por qualquer indivíduo envolvido no futebol. Todavia, com o
árbitro, tal prerrogativa não é admissível. A maioria das pessoas considera que
o árbitro não erra, mas que age de má-fé, logo, não tem direito ao erro.
O árbitro é a “persona no grata” do encontro. No entanto, antes dos jogos, subsiste
uma grande preocupação por parte de algumas pessoas em saber quem é o árbitro
que vai dirigir o encontro. De acordo com as leis do jogo, um encontro de
futebol nunca pode ficar por se realizar por falta de árbitros e, por isso,
quando chega a hora do jogo e o árbitro se atrasa, os dirigentes ficam
preocupados e sem saber como agir. Se assim é, porque razão é atribuída ao
árbitro tal condição?
Em
guisa de conclusão, o árbitro é o elemento mais injuriado durante um jogo. As
suas atitudes são questionadas de múltiplas e variadas formas, sem serem
fundamentadas nas leis do jogo, por pessoas leigas no que a esta temática diz
respeito e por pseudo-especialistas. Por isso, hoje em dia, a atuação da equipa
de arbitragem é cada vez mais complexa e difícil.
Agostinho Silva
Próxima Crónica de Agostinho Silva: 02 de Maio
Próxima Crónica Desporto Paivense: Paulo Teixeira a 04 de Abril
2 comentários:
Excelente artigo escrito por alguém a quem a arbitragem deve muito.
Parabéns Agostinho, crónicas deste tipo deviam correr a imprensa Nacional.
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